sábado, 14 de fevereiro de 2015



Bagunça Tóxica

             Ao serem divulgados os resultados das primeiras provas do Enem, um grande grupo educacional encomendou uma pesquisa com os alunos das dez melhores escolas do Brasil. Pois não é que eram todas bem parecidas? Chamava a atenção o fato de serem  serem muito rígidas na disciplina. Ou seja, nada de bagunça. E entre as instituições públicas, com sua disciplina severa, os colégios militares têm ótimo desempenho.
            Viajando por outras terras, consideremos a França, a Alemanha e a Inglaterra. De lá vieram e ainda vêm as mais abundantes colheitas de artistas, filósofos, cientistas, empresários e estadistas.  Historicamente, suas escolas sempre foram extraordinariamente rígidas, chegando até a umas varadinhas aqui e umas reguadas acolá.
           Em maio de 1968, os universitários parisienses se rebelaram contra o atraso da universidade, promovendo um evento que teve espantosa visibilidade mundial. Barricadas na rua, paralelepípedos voando pelos ares, choques retumbantes com a polícia!  Ecoava o slogan mais poderoso: "É proibido proibir".  
           As consequências do Maio de 68 varreram o mundo e remoldaram a alma da escola. Muitos manifestantes viraram professores, sentindo-se pouco confortáveis com sua autoridade.  A epidemia do "proibido proibir" contaminou a América Latina.  Em um dos seus primeiros discursos, depois de presidente,  Sarkozy chama atenção para a lastimável erosão da autoridade  do professor, com suas raízes em 68.
          O  filósofo  Luc Ferry, em entrevistas, também relembra que houve uma queda vertiginosa na disciplina escolar, resultante de professores inapetentes por manter a ordem na sala de aula. Antes de tudo, porque desgastaram-se as regras de disciplina, claras e compartilhadas.
          Não é preciso muito esforço para verificar a onipresença de problemas de indisciplina nas nossas escolas. Nem falamos de alunos agredindo professores; há uma incapacidade generalizada para impedir a bagunça nas aulas, sobretudo nas escolas públicas, devido à perda da autonomia do professor.
          Mas que consequências teria essa incapacidade da escola para manter a ordem?  O professor James Ito-Adler fez uma pesquisa etnográfica — entrevistando uma amostra de alunos. Nela surge uma descoberta surpreendente. Quando perguntou aos alunos o que mais atrapalhava o seu aprendizado, a resposta foi enfática: a bagunça dos outros!  São os próprios estudantes que têm   necessidade de uma disciplina careta.            Não é lamento de professor saudosista. Ou seja, os próprios alunos admitem que conversas e turbulência na sala de aula atrapalham os estudos. Resultados espúrios?  Não parece, pois pesquisas nos Estados Unidos e na França sugerem que lá ocorre o mesmo.  A bagunça é tóxica.
           A ideia de que a escola não pode tolher a liberdade dos alunos é falsa.  Embora possamos conduzir a discussão de forma mais sofisticada, vale a pena repetir o princípio de que a minha liberdade acaba onde começa a liberdade de outrem. No caso, a liberdade dos colegas para estudar e aprender.


(Cláudio de Moura Castro, Bagunça Tóxica.  Texto adaptado.)

Nenhum comentário:

Postar um comentário